A FEIRA DO CRATO
Um dos eventos mais movimentados da
região do Cariri no início da década de 70 era a Feira do Crato. Sempre às
segundas-feiras, reunia comerciantes, compradores, artistas populares e
visitantes de todo lugar.
Mamãe, que negociava com tudo: legumes,
porco, galinha, ovos, verduras etc., sempre viajava para o Crato para vender
alguma coisa e, com o apurado comprar outras para as necessidades do lar.
Havia sempre uma disputa: qual dos
filhos viajaria com ela. Apesar de ser o percurso em cima de caminhão e no frio
da madrugada, sempre era uma exótica novidade. Todos queriam ir. Um dia,
finalmente, chegou a minha vez. Fiquei eufórico com a possibilidade de conhecer
o Crato. Acordamos de três para as quatro horas da madrugada. Banhei-me, vesti
uma roupa melhorzinha, tomei café com pão. Mamãe já havia apeado as galinhas,
arrumado as cestas de ovos, os sacos com arroz, feijão, milho e fava, que eram
vendidos na cuia ou no litro. Tudo pronto, saímos em direção à Rua Grande para
arrumar as coisas em cima do caminhão dos “Bráulio” e aguardar a hora da saída.
Quando nos acomodamos em cima dos
sacos, caixotes e lonas o caminhão começou a movimentar-se rumo ao sítio
Cancão. A viagem para o “Cariri” ou “Cratinho de Açúcar” como falavam, era pela
Ladeira da Serra do Pontal, muito temida por todos, por ser íngreme e cheia de
abismos. Quanto mais o veículo aumentava a velocidade mais depressa a paisagem
passava, parecendo até que as árvores é que corriam apressadamente. Eu me
deliciava com aquilo.
O ronco e os rangidos do caminhão, o remelexo
causado pelos “catabís”, a poeira e o vento, em nada se comparavam ao frio de
cima da serra, nas entranhas da Chapada do Araripe, complementado pela neblina
e a névoa. Ora nos cobríamos com uma lona, ora a tirávamos para termos uma
visão melhor da floresta. Certo é que, mesmo amontoados uns com os outros,
passageiros, chapeados e viajantes, o frio era de congelar.
Quando alcançamos a estrada plana em cima da
serra, o caminhão corria mais e o frio aumentava. Com os dedos dos pés
dormentes, não conseguia senti-los. Embaixo da lona, comecei a beliscar meu pé
para ver se a dormência melhorava; e quanto mais eu beliscava mais a dormência
aumentava; eu não conseguia sentir meus pés. Daí veio-me a ideia de levantar a
lona e verificar o que estava acontecendo. Foi então que eu pude perceber que o
pé que eu beliscava não era o meu, e sim o de um senhor que estava sentado ao
meu lado, com os pés dele em cima dos meus. Fiquei meio envergonhado achando
que o senhor ia me dizer poucas e boas, mas ele apenas olhou-me silenciosamente
e mudou os pés de lugar. Creio que o frio amenizou a dor dos beliscões. Baixei
a lona e por volta das sete da manhã chegamos ao Crato. Muitos prédios, muitos
carros. Um vaivém tresloucado de pessoas.
O caminhão parou em frente a um grande
e movimentado mercado público chamado “Redondo”, que ficava no centro da
cidade, à beira do Canal. Era um aglomerado de quiosques, bodegas, bancas de
venda e camelôs com o mais variado comércio; muitos tocadores e repentistas
trazendo alegria.
Descemos do Caminhão, pagamos as
passagens e fomos procurar o “ponto” comercial dos meus tios, onde minha mãe
vendia suas coisas. Depois da bênção e das boas-vindas, haja café com bolo, pão
doce e aguado, caldo; mais tarde picolé, sorvete, cocada, pipoca, cajuína,
tijolo de buriti... Quando mamãe terminava de vender os frangos, ovos,
“bacurins”, legumes, íamos para as compras nas lojas e pelas ruas. Fazíamos uma
feira, e quando dava, comprávamos até coisas para casa: utensílios,
eletrodomésticos, e roupas.
A volta já à tardinha era melhor porque
não tinha tanto frio, só o vento, mas o aglomerado de coisas em cima do
caminhão era bem maior: caixas, sacos, colchões de mola, camas, móveis,
material de construção... A gente se ajeitava para a volta, rezando para chegar
em paz na nossa casa, com os poderes do Padrinho Cícero Romão Batista, do
“Santo” Frei Damião e de Senhora Sant’Ana.
Já em casa, apesar
de cansados, tínhamos muitas novidades para contar sobre a aventura de viajar
para a Feira do Crato.
Raimundo Sandro
Cidrão
Nenhum comentário:
Postar um comentário