segunda-feira, 8 de setembro de 2014

         A FEIRA DO CRATO 

        
         Um dos eventos mais movimentados da região do Cariri no início da década de 70 era a Feira do Crato. Sempre às segundas-feiras, reunia comerciantes, compradores, artistas populares e visitantes de todo lugar.
         Mamãe, que negociava com tudo: legumes, porco, galinha, ovos, verduras etc., sempre viajava para o Crato para vender alguma coisa e, com o apurado comprar outras para as necessidades do lar.
         Havia sempre uma disputa: qual dos filhos viajaria com ela. Apesar de ser o percurso em cima de caminhão e no frio da madrugada, sempre era uma exótica novidade. Todos queriam ir. Um dia, finalmente, chegou a minha vez. Fiquei eufórico com a possibilidade de conhecer o Crato. Acordamos de três para as quatro horas da madrugada. Banhei-me, vesti uma roupa melhorzinha, tomei café com pão. Mamãe já havia apeado as galinhas, arrumado as cestas de ovos, os sacos com arroz, feijão, milho e fava, que eram vendidos na cuia ou no litro. Tudo pronto, saímos em direção à Rua Grande para arrumar as coisas em cima do caminhão dos “Bráulio” e aguardar a hora da saída.
         Quando nos acomodamos em cima dos sacos, caixotes e lonas o caminhão começou a movimentar-se rumo ao sítio Cancão. A viagem para o “Cariri” ou “Cratinho de Açúcar” como falavam, era pela Ladeira da Serra do Pontal, muito temida por todos, por ser íngreme e cheia de abismos. Quanto mais o veículo aumentava a velocidade mais depressa a paisagem passava, parecendo até que as árvores é que corriam apressadamente. Eu me deliciava com aquilo.
          O ronco e os rangidos do caminhão, o remelexo causado pelos “catabís”, a poeira e o vento, em nada se comparavam ao frio de cima da serra, nas entranhas da Chapada do Araripe, complementado pela neblina e a névoa. Ora nos cobríamos com uma lona, ora a tirávamos para termos uma visão melhor da floresta. Certo é que, mesmo amontoados uns com os outros, passageiros, chapeados e viajantes, o frio era de congelar.
          Quando alcançamos a estrada plana em cima da serra, o caminhão corria mais e o frio aumentava. Com os dedos dos pés dormentes, não conseguia senti-los. Embaixo da lona, comecei a beliscar meu pé para ver se a dormência melhorava; e quanto mais eu beliscava mais a dormência aumentava; eu não conseguia sentir meus pés. Daí veio-me a ideia de levantar a lona e verificar o que estava acontecendo. Foi então que eu pude perceber que o pé que eu beliscava não era o meu, e sim o de um senhor que estava sentado ao meu lado, com os pés dele em cima dos meus. Fiquei meio envergonhado achando que o senhor ia me dizer poucas e boas, mas ele apenas olhou-me silenciosamente e mudou os pés de lugar. Creio que o frio amenizou a dor dos beliscões. Baixei a lona e por volta das sete da manhã chegamos ao Crato. Muitos prédios, muitos carros. Um vaivém tresloucado de pessoas.
         O caminhão parou em frente a um grande e movimentado mercado público chamado “Redondo”, que ficava no centro da cidade, à beira do Canal. Era um aglomerado de quiosques, bodegas, bancas de venda e camelôs com o mais variado comércio; muitos tocadores e repentistas trazendo alegria.
         Descemos do Caminhão, pagamos as passagens e fomos procurar o “ponto” comercial dos meus tios, onde minha mãe vendia suas coisas. Depois da bênção e das boas-vindas, haja café com bolo, pão doce e aguado, caldo; mais tarde picolé, sorvete, cocada, pipoca, cajuína, tijolo de buriti... Quando mamãe terminava de vender os frangos, ovos, “bacurins”, legumes, íamos para as compras nas lojas e pelas ruas. Fazíamos uma feira, e quando dava, comprávamos até coisas para casa: utensílios, eletrodomésticos, e roupas.
         A volta já à tardinha era melhor porque não tinha tanto frio, só o vento, mas o aglomerado de coisas em cima do caminhão era bem maior: caixas, sacos, colchões de mola, camas, móveis, material de construção... A gente se ajeitava para a volta, rezando para chegar em paz na nossa casa, com os poderes do Padrinho Cícero Romão Batista, do “Santo” Frei Damião e de Senhora Sant’Ana.
         Já em casa, apesar de cansados, tínhamos muitas novidades para contar sobre a aventura de viajar para a Feira do Crato. 


Raimundo Sandro Cidrão




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